segunda-feira, 13 de junho de 2011

ANEL no Egito



3º Relato da ANEL no Egito


Cairo, 6 de junho de 2011

                  Chegou ao fim a viagem de solidariedade internacional da ANEL ao Egito. Hoje, completa 1 ano do dia em que Khaled Said foi morto pelas armas da polícia da ditadura de Mubarak. Ele era um jovem egípcio de classe média que foi preso e torturado, assassinado no dia 6 de junho de 2010. Jovens, mães, pais, toda a população se comoveu muito com a terrível injustiça, pensando que poderia ter sido com eles ou com seu próprio filho. Khaled Said, desde então, é um grande símbolo da luta contra a truculenta polícia de Mubarak, quando em 2009 milhares foram às ruas com fotos do rapaz, dizendo: “Somos todos Khaled Said”. Hoje houve um ato na ponte sobre o Rio Nilo, em sua homenagem. No mesmo dia, os jornais noticiaram a fuga do presidente do Iêmen do país, que está no poder há 33 anos, com o pretexto de que estava doente. Mais uma vez, é a força das massas mobilizadas nas ruas mudando o curso da história.
                   Conversei com muitos jovens nessa viagem, os protagonistas da Revolução. Quase todos já foram presos ou tem alguma história para contar da violência e repressão que sofreram pelo estado de Mubarak. Muitos já tiveram, inclusive, algum amigo que já foi morto. Quando entramos na universidade americana do Cairo, havia uma exposição lá com a foto dos estudantes que haviam sido mortos durante a Revolução. Muito triste e comovente.
Consegui marcar uma conversa com representantes do movimento 6 de abril, que tiveram uma atuação central na construção da Revolução. São jovens que em 2006 se organizaram a partir de uma greve de operários em Mahalla, onde os trabalhadores tomaram as fábricas e produziram lutas fortíssimas no norte do Egito. Esses jovens, muitos deles estudantes, se identificaram com a luta dos trabalhadores e perceberam a sua importância para enfrentar a ditadura. Começaram a ter uma maior projeção em 2007, com uma grande audiência conquistada pela internet.
         Nos deram o mais bonito relato sobre a Revolução. Estávamos sentados num bar chamado Horeya, muito frequentado pela juventude egípcia. Depois do ascenso na Tunísia que derrubou Ben Ali, combinado com o repúdio enorme (um verdadeiro ódio) que havia da população à polícia de Mubarak, amanheceu o dia 25 de janeiro. A partir dessas duas condições, uma reunião no Sindicato dos Engenheiros convocou um ato para o dia 25 de janeiro, que era tradicionalmente um dia institucional de comemoração da polícia egípcia. Agora, coitados, perderam o dia de vez para a Revolução. Quando fizeram esse chamado, porém, não tinham idéia do quanto esse dia ficaria marcado na história.
                    A manifestação deu certo, e numa série de pontos da cidade, reuniram-se milhares e milhares de trabalhadores e jovens, que foram se somando aos poucos quando a marcha cantava: “venham, venham, juntem suas famílias a nós”.  Enquanto isso, a polícia só aumentava sua violência em cima dos manifestantes, e inclusive dos que estavam assistindo, provocando o efeito inverso: mais pessoas nas ruas. O estudante que nos cedeu o depoimento dizia que foi o grupo que estava o primeiro a se encaminhar para a Praça Tahrir. Na medida em que chegavam mais grupos, vinham notícias de outras cidades do Egito que também estavam ocupando praças e ruas, resultando em mais confiança para resistir.
              “Hum… ok. Now we got a revolution. What should we do?”- nos contando o que passava por sua cabeça. Já havia meio milhão de pessoas ocupando a Praça, e não parava de chegar mais, como parte de um mesmo movimento radicalizado e nacional, cada vez mais confiante que só iria parar quando Mubarak caísse. Não havia outra conclusão pra chegar, estavam diante de uma Revolução.
            Nos dias 26 e 27, a repressão se intensificou muito. Prenderam milhares de manifestantes e, inclusive, mataram alguns. Muitos viram seu sangue escorrer, as ruas sujas de vermelho, e a profundidade que isso significava só deu mais abnegação e disposição para lutar até o fim. Junto com isso, e fundamental para que a Revolução triunfasse na queda de Mubarak, o sentimento de igualdade entre os presentes só crescia. Homens e mulheres, muçulmanos e cristãos, jovens e mais velhos, eram todos juntos iguais e revolucionários. Além disso, começou a auto-organização das massas. Havia aqueles que formavam comissão para garantir a segurança, outros que pensavam na alimentação, outros na limpeza. Eram milhões que numa harmonia inexplicável, vivendo naquele momento o que buscavam construir para o futuro do seu país. “A praça era o lugar mais perfeito no mundo, naquele momento.” – disse Karin.
                 Mubarak tentava lhes desmoralizar, dizendo que era um movimento isolado na Praça Tahrir, ou que se reduzia aos jovens. O segundo discurso de Mubarak teve uma grande repercussão, contendo terríveis ameaças e aterrorizando a população que seguia acampada na Praça Tahrir. O governo cancelou a internet de todo o país, com medo das articulações pelas redes sociais. Havia um grande chamado a uma manifestação no dia 28, sexta-feira. Foi preparado um grande aparato de segurança pelos manifestantes, e combinavam que o nome de uma praça significava o outro, para confundir a polícia. A tática deu certo, e na medida que a notícia se espelhava, mais cidades entravam em cena e mais grupos vinham de longe acampar na Praça Tahrir. O dia 28 foi um sucesso. As tentativas de Mubarak de isolar a Revolução na Praça Tahrir também não deram certo, e trabalhadores de fábricas e empresas entraram em greve, como ficou marcado nos 3 dias de paralisação do Canal de Suez, tão importante economicamente para o imperialismo. A partir de então a Revolução só se fortaleceu, até que em 11 de fevereiro de 2011, Mubarak caiu. E no mesmo dia nós, da ANEL, fizemos um ato no Rio de Janeiro junto com o nosso Seminário Nacional de Educação para comemorar a enorme vitória. Nossa vitória.
                     Não há nenhum mistério para entender o porquê de sua vitória. Um exemplo que deixa isso bastante claro. Um dos grupos que se dirigia à Praça Tahrir foi isolado em outra praça pela polícia. Pensaram: “não temos escapatória dessa vez”. Começaram então a fazer atividades que chamassem a atenção de mais pessoas que passavam, como discussões políticas e intervenções culturais. De um pequeno grupo, foram atraindo milhares e se tornaram uma enorme multidão. Todos aqueles policiais, centenas armados até os dentes, já não eram mais uma ameaça. Então tentaram passar novamente, e a policia não teve outra escolha: abriu caminho e sem sequer usar a violência, deixou os manifestantes passarem. É simples: quando os trabalhadores se unem e colocam pra si a tarefa de mudar suas vidas, não há força que os segure.
             Aprendi muito com essa vinda até o Egito. A situação atual do país é muito complicada, porque apesar de confiante, há uma enorme confusão na consciência dos trabalhadores sobre o atual governo liderado pelas forças armadas, e uma grande dúvida de como será o futuro. O movimento 6 de abril, no Referendo sobre a Constituição que teve, defenderam o voto no NÃO, porque esse referendo era uma forma de canalizar a revolução para pequenas mudanças constitucionais que dessem a ilusão de que há uma verdadeira mudança em suas vidas. Disseram que a grande maioria dos jovens votou NÃO, especialmente do Cairo. As regiões do interior, que foram menos atingidas pela Revolução e são mais alvo da propaganda ideológica que faz o exército, acabaram levando ao resultado de 77% para o SIM.
                  Fica muito claro que é preciso avançar nas mobilizações para garantir as conquistas da Revolução. Segue uma forte campanha por uma Nova Constituição, para que haja abertura real da democracia no país, e para que a população supere o problema do desemprego, dos altos preços, da desigualdade social. Para que não haja mais opressão às mulheres egípcias, de olhos tão profundos e de uma abnegação incontestável, reprimidas por tantos anos. Para que não haja mais um Estado assassino do povo árabe, e aliado do imperialismo na região, como é o Estado de Israel. Para que tudo isso aconteça, os jovens sabem e nós da ANEL, só temos que fazer coro e apoiar de todas as formas possíveis: é preciso superar o capitalismo no Egito, e para isso só fazendo avançar a Revolução que começou dia 25 de janeiro, e ainda não tem data para acabar.

Conferência do Cairo – Fórum de Solidariedade à Revolução Árabe

                   A participação da ANEL na Conferência foi muito importante. Hoje, podemos dizer: somos uma entidade com reconhecimento internacional. Uma marca fundamental dessa Conferência, que contou com a presença de entidades, organizações, movimentos anti-imperialistas, de solidariedade à Palestina, de mais de 20 países diferentes. É evidente que a Revolução Árabe, não só para nós, significou uma verdadeira comoção internacional, servindo de exemplo e inspiração para a juventude e a classe trabalhadora de todos os países. O processo da Espanha, exemplo vivo disso, ficou expresso com força na Conferência.
                       Lá pudemos recolher diversas declarações e conversar com todo tipo de ativista. Conhecemos uma entidade estudantil da Inglaterra, que representa a maior universidade de Londres. Recentemente, no final do ano passado, realizaram fortes lutas contra a cobrança de taxa nas universidades, como parte do pacote do governo de jogar a conta da crise nas costas da juventude e dos trabalhadores.
                   A ANEL foi convidada a estar presente no espaço que tratava das consequências da revolução árabe para a juventude e seus desafios. Contou com a presença de uma série de jovens ativistas. Tivemos a oportunidade de dizer o tamanho da importância que teve a Revolução Árabe para a juventude brasileira, repetindo os ingleses, franceses, americanos, canadenses, espanhóis, sírios, líbios,… Contamos da nossa realidade, do processo de reorganização que vive o movimento estudantil, da forma como funciona uma democracia, que formalmente diz que todos têm direitos, mas que governa para os ricos e trata a educação sem qualquer prioridade. Convidamos todos, inclusive como forma de fortalecer nossa solidariedade internacional, ao nosso 1º Congresso. Tivemos respostas positivas, e pelo menos um egípcio, um espanhol, um palestino e um inglês disseram que estarão presentes lá. Não tenho dúvidas do quanto isso será incrível para nós, estudantes livres brasileiros.
A nossa Praça Tahrir
                O exemplo que o forte processo revolucionário daqui significou para todos os países do mundo é incalculável, e ficou muito evidente nessa viagem da ANEL ao Egito. Agora, a quase duas semanas da realização do nosso Congresso, precisamos entender que fazer com que ele seja vitorioso, com que reúna centenas de estudantes de todo canto do Brasil, com que discuta e aprove um Calendário de Lutas, um Programa para defendermos nas universidades e escolas, junto com os trabalhadores do nosso país, é fazer com que avance também a Revolução Árabe. Pode parecer que a distância que nos separa faz com que nosso esforço do dia a dia não repercute para lá, mas eu que estive presente no Egito e senti o cheiro que tem uma Revolução; eu que vi jovens como nós com o brilho nos olhos de ver a grandeza que fizeram e a ansiedade de pensar sobre o que será do futuro; eu tenho certeza que a nossa luta e a construção de uma entidade estudantil livre no Brasil, tem tudo a ver com o avanço da Revolução da Primavera. Façamos do 1º Congresso da ANEL a nossa Praça Tahrir, para que um dia o mundo inteiro seja como ela foi no dia 25 de janeiro.

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